DESCANSO PARA LOUCURA: 2 - O Poeta e a Obra - Luciano José

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sábado, 10 de março de 2012

2 - O Poeta e a Obra - Luciano José


Dois últimos livors publicados:
V(e)ia Poética e Conta-Gotas.
Nesta nova postagem trazemos "poesias curtas" do Poeta Luciano José, presentes nos livros: V(e)ia Poética e Conta-gotas.
Inicialmente em V(e)ia Poética: para o autor neste novo trabalho “o caráter disperso da criação poética continua acentuado. O recolhimento de coisas, cacos, ideias, conceitos, modos de ser e sentir que possam gerar ou desaguar em poesia está nitidamente presente. A simbiose com a música popular, o toque humorístico, o inesperado, a alusão ao erotismo, a metalinguagem e a condição humana sob o olhar filosófico-poético permanecem como marca registrada. É como se o caos tomasse forma para encontrar uma identidade mais acabada de caos.

V(e)ia Poética é a tentativa de construção de uma escrita literária que se funda na incerteza da caminhada, nas surpresas que a estrada pode proporcionar, no reconhecimento da casa fora dela, no estilo que se constrói como o não-estilo”.

Eis algumas das “Poesias Curtas”

OFÍCIO
Ócio, hora de ofício
Papel branco
À esperada ideia
Que teima em não chegar.

Negócio, criação
Invenção de ser poeta
Muito trabalho a exercer
Falta do que fazer
Fazer o tempo passar.

ROMPIMENTO
A caminhada ficou difícil...
Tudo estava bem,
Até que a sandália se rompeu.

REMÉDIO
A cabeça anda a mil
Com a dor de cotovelo que não passa
O chapéu protege-a do sol
Mas o dedo em riste insiste
É preciso apreciar sem moderação
Com a alma úmida, largado no chão
“Lázaro, levanta-te e anda”
Vai cuidar da vida
Curar a ferida
Recusar a solidão.

LAMENTO
Cansada da vida e da própria aparência,
tal prostituta, que trabalhou para caralho,
a barata olha no espelho e lamenta
não ter ainda se transformado em Kafka.

ALUADO
O pensamento à toa
Falava coisa sem nexo

Com um par de pão de fora na mão
Considerava-se um ser bastante complexo

No entanto,
Ao passar por um entulho
Jogou os pães e cantou:
Vem cear; o Mestre chama; vem cear...

BRINCADEIRA ININTERRUPTA
Para o balanço alto e com emoção
A criança requisita uma ajuda
Balança forte uma, duas, dez, vinte e duas...
A brincadeira não tinha fim
Exausto e indisposto,
Consegue lembrar:
Ela pagou-lhe com dinheiro imaginário.

VÍTIMA
Susto, pânico
Homem violento,
Carente, ofegante
De casa, distante
Parecia não ter saída
Diante da questão proposta:
Ou dá, ou morre!”
Não pensou duas vezes:
Escolheu a virgindade.

N(OVO)
O ovo
que precede o novo
estado de coisas que surge
e insurge rachando a casca

desafia a ordem,
desencadeia a desordem
e revela o mistério da origem

AS PORTAS
Era encantadora!!!
Como eu havia chegado a essa conclusão?
Não sei.
Lembro apenas que tive de passar por duas portas:
a do olhar e a do sorriso.

ANTROPOFAGIA
Andava a esmo, tateando,
enjoado de nozes;
Depois de mil e uma doses,
Falou:

“Na falta de terrorismo,
vai tu mesmo!”

INSACIÁVEL
Ela nua, toda sua
Pintou o sete
Fez um oito no coito

Ele contente, ela ainda carente
Como criança que pede mingau,
Levemente sussurra:
“Passa a mão
pra eu passar mal!”

DISTRAÇÃO
Não me lembro
Quando meu membro
Rompeu o hímen

Não consigo ter ato falho
Com a cara da sua vagina
Engolindo meu caralho.

DO POETA AO LEITOR
Ate-me, não ligue!
Acolha-me a seu lugar comum
Separe-me e junte-me um a um
Até que o suficiente de mim
Possa suprir sua carência de...
Oferecendo-lhes plenos poderes para ir
Além do que se possa imaginar

ENJOO
Depois que fui morar na fazenda,
A utopia chegou ao fim

Passou o deleite
De mergulhar em rios de leite

Superou o desejo
De mastigar montanhas de queijo

CONVITE VERBAL
Vou te chamar pra ver
A noite, o mar, o luar
Navegar o céu aberto
Explorar, conquistar, colonizar
Sem querer fazer poesia
Fazer amor, fazer orgia, fazer doer
Conjugar o verbo amar
Com os pulmões cheios de ar
Maravilha poder sentir o teu prazer
Poder gozar

FOLIA
Rala-bucho arretada
Fole fazendo festa
Suor que cai da testa
Comigo come tampado
Não fique aperreado
No salão ta tudo assim
Gente feia, farnezim
De dançar estava torto
Quem não mexia era morto
Tripa, caldinho e gim.

JOSÉ, Luciano. V(e)ia Poética. – São Paulo: Baraúna, 2009.

Diz ele, dentre outras considerações: “os poemas nascem, às vezes, como pingos de conta-gotas: insignificantes no oceano intransponível da página, mas com um poder só dele de pensar coisas tão complexas como o compromisso da poesia ou o encontro/desencontro do homem com as coisas criadas por ele mesmo (...). Por fim, um aviso aos navegantes: antes de avistarem novas terras não se esqueçam de usar seus colírios com os respectivos conta-gotas”.
  
Eis mais algumas das “pequenas poesias”:

COMPROMISSO
O poema deve ser provocador,
fazer a indiferença tomar um susto,
correr léguas

O poema deve revisitar a vida
e reconstruí-la em palavras,
sem trégua.

LUTA INGLÓRIA
Uma palavra atrapalha,
soa ruim
A outra não vem,
foge de ti
A imagem é boa,
não consegue traduzir

Desista:
a lixeira
é logo ali!

NASCIMENTO
“É isso,
vamos ter um filho!”

Informações genéticas ateias
Esterilidades a parte

Conjugaram-se palavras
A oração se fez

Somos todos filhos de uma puta,
de uma puta ideia.

UM CARA
Dispara contra o sol
Soldado insano
Pensando apagar tudo
Com um simples tiro.

CONVICÇÃO
Com a cirurgia bem sucedida
Jogou fora a antiga carteira de identidade
Saudade já não existe
de imaginar as moças despidas
em sua frente

FLAGRANTE COTIDIANO
O grunhido do porco
pouco interferia
no grito ensurdecedor
do Policarpo
que tombava morto
em uma rua
da periferia

AMEAÇA IMINENTE
No desequilíbrio orgânico
de um país tropical
Muitos praticam dieta forçada,
Contas engordam ao léu

LIMITE
Entre o latifúndio e os famintos
Uma cerca silenciosa
Estabelece a justiça

Artefato
Pocket calculator
Leitor digital
Pacto com o produto
Bruto, marginal
Nike, mountain bike
Que mal tem subir, pedalar,
cair do kayak
Malte, Microsoft
Sofre por não estar na rede
ipod fode o celular

RECADO
Na fila do posto de saúde...
a saúde mandou lembrança

DILEMA
Santo de casa
é quem pinta e borda lá fora
e retorna para sua ingênua mulher
ou é a própria mulher?

Dormir no ponto
é ser passado para trás
ou não conseguir acordara tempo?

DESACORDO
Assim como
a gostosa do pedaço
não é para a pica de qualquer um

o sutiã não é parapeito de janela

CARÊNCIA
Na lotação lotada
a dama faminta ignora
se junto aos outros
algo rígido satisfaz
seus desejos ocultos.

DST
Aparentemente nada demais
O visual era bom à beça

Fiquei chateado, nervoso
Quando soube...

Aquela doença venérea
Quase me fez perder a cabeça

DOMADOR
Fera atrevida
Jeito difícil

Domada, sem saída
Cumpri meu ofício

Deitou-se a bela
Dei doce a ela

HABITAÇÃO
De taipa,
nos cafundós dos Judas,
com chão de terra batida

Na parede impregnada de insetos,
a tubiba fazia festa
na casa dos cambembes

CERTEZA
Em pleno deserto
Observa o quanto é inútil
Livrar-se da chuva

CONTRAPARTIDA
É na garrafa
que entorpeço sonhos,
embriago pesadelos
até encarar lúcido
a transparência irretocável
do espelho.

HAVIA
Solar.
Havia energia
Energia solar havia
Só lá havia energia solar

VINGANÇA
Se ele come
as criaturas que gera

A ideia é comprar
um grande relógio
e encostá-lo na parede.

JOSÉ, Luciano. Conta-gotas. – São Paulo: Baraúna, 2011.

Entre tantas outras que merecem ser lidas. Conheça a obra já carimbada de Luciano José!

A poesia de Luciano José é daquelas que desperta em nós (repentinamente) uma vontade de ler; de ter um livro de literatura ao nosso alcance para podermos "viajar" sem sair do lugar; é uma literatura sem a preocupação com o elitismo, porém, suficientemente caprichosa e sábia. É uma poesia que permite-nos uma leitura descontraída: quantas vezes ao meio ou ao fim de uma poesia [uma risada] no canto da boca (Ela nua, toda sua; Pintou o sete; Fez um oito no coito); lábios que reproduzem um sentimento que se cria na imaginação, ao decifrar as palavras e os conceitos presentes nas poesias de Luciano José, um poeta de Palmeira dos Índios - AL, Brasil.

Há neste Blog outra postagem anterior sobre Luciano José e as ditas "poesias curtas", mostrando seus dois primeiros trabalhos: "Intromissão do Poema" e "Grãos de Versos".

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